Em maio de 2021, com o relaxamento das restrições ocasionadas pela pandemia de covid-19, o baterista Narciso "Mandrake" Pederneiras reuniu em torno de si um grupo de quinze músicos e cantores com o objetivo de "abalar as estruturas da música pop mundial" e "romper os padrões da canção ocidental" através de uma mistura de rock progressivo, jazz, funk carioca e música clássica. Deu ao projeto o nome de D’Arak e apresentou ao grupo uma série de ideias das músicas que formariam o primeiro álbum da banda, Mambeibi.
Sem qualquer fonte de renda capaz de bancar o pagamento dos músicos, Narciso garantiu o comprometimento deles com uma promessa: Disse possuir muitos contatos no meio musical, além de uma lista de casas de shows prontas para agendar a banda assim que formassem repertório, garantindo que seriam muito famosos em pouquíssimo tempo.
Se a personalidade magnética de Narciso tinha sido suficiente para agremiar a equipe, suas poucas habilidades como baterista, a inconstância de sua direção musical e sua recusa em fornecer detalhes sobre os contatos que alegava ter despertaram um crescente descontentamento em seus companheiros. Ao longo dos seis meses seguintes, a maior parte dos músicos abandonou o barco, exceto o guitarrista Dash e o baixista Jonas Adisa. Como trio, permaneceram juntos por mais alguns meses, nos quais Narciso se mostrou cada vez mais imprevisível. Deixava de comparecer aos ensaios ou chegava atrasado, muitas vezes embriagado ou chapado, incapaz de executar sua função mesmo de maneira mais básica.
Sem poder contar com Narciso, Dash e Jonas continuaram a compôr juntos, compensando a falta de outros instrumentistas com loops e bases pré-gravadas. A química criativa da dupla foi boa desde o início, mas as qualidades necessárias a uma grande parceria também já estavam ali: a ausência de ego e a vontade de não se limitar a gêneros específicos.
A parceria frutífera veio em boa hora para ambos, que tinham tido relações desgastantes com a música.
O guitarrista teve bastante reconhecimento com a banda cristã Os Beatos no início dos anos 2000, mas o fim traumático do grupo e, pouco tempo depois, seu divórcio turbulento com a cantora gospel Solange Mastrângelo abalaram sua ligação com a fama e a religião. A depressão e a dependência de álcool que se seguiram o deixaram praticamente afastado da música por mais de uma década.
Jonas Adisa, por sua vez, tocou em bandas de baile desde a adolescência, mas teve seus quinze minutos de fama por duas vezes (portanto, meia hora de fama). Em 2002, com a banda de rock satírico Strongonofres, e em 2008, com a insólita formação reggae-pagodeira Fumeguinho, ambas de sucesso modesto e passageiro. O fiasco dessa última empreitada e o fim do antigo modelo de negócios das gravadoras levou Jonas a voltar ao circuito de bailes e bares, não sem certa amargura. Em 2021, Jonas entrou para o D’Arak, quando conheceu Dash, a princípio sem perceber que se tratava de um ex-Beato.
Em junho de 2022, dias depois de pedir dinheiro emprestado a Dash, "Mandrake" realizou seu último ato de ilusionismo, desaparecendo sem deixar vestígios.
O substituto de Narciso apareceu por acaso: Quando Jonas estava tocando em um bar, um velho conhecido veio cumprimentá-lo. Era o contador Arnaldo Delongas, que já havia prestado serviços para o Fumeguinho. Ao saber que ele estava procurando um baterista “para uma coisa sem pretensão que estava rolando”, Arnaldo disse conhecer alguém, e então acertaram um dia para um teste. No dia marcado, foi o próprio Delongas que apareceu empunhando as baquetas e, para surpresa de Jonas, o contador sabia tocar. A característica decisiva para a escolha do novo integrante, porém, foi sua personalidade totalmente desinteressante e desprovida de carisma. “Depois de uma certa idade, gente intensa e instável cansa”, declarou Jonas sobre o baterista.
Para enterrar de vez a malfadada D’Arak, mudaram o nome da banda para Trufaldinos, sugestão de Arnaldo, uma referência ao personagem da commedia dell'arte, que aparece tanto na ópera quanto nos blocos de carnaval de rua do Brasil (onde é mais conhecido como Arlequim). A figura irreverente que transita em gêneros tanto refinados como populares pareceu uma boa representação para o som abrangente do trio.
Quando perceberam que quase ninguém hoje em dia sabe o que é um trufaldino e o quanto é difícil sequer pronunciar a palavra em algumas línguas, já era tarde demais. O primeiro single, Eu não moro mais aqui, já havia sido lançado.
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